domingo, 24 de outubro de 2010

Quase grávida...

Foi dia desses. O trem lotado, quase seis horas da tarde, saindo da Estação Luz.
Eu precisava entrar de qualquer jeito, não dava para esperar o próximo para tentar ir sentada. E ainda tinha que dar um jeito de passar por aquela muralha humana, que se fechava para esperar o próximo trem e não deixava mais ninguém passar. Que raiva.
Entrei. Com a minha bolsona à tiracolo, mais uma bolsa no ombro.
O trem começa a andar. Algum tempo depois, duas moças, sentadas nos assentos reservados a idosos/gestantes/passageiros com crianças de colo/deficientes físicos, começam a me encarar. Eu finjo que não é comigo e ignoro. Minutos depois, uma dela se levanta e começa a me puxar.
- Vem aqui, senta aqui.
- Sentar aqui por quê?
- Senta, eu vou me sentir melhor se você se sentar.
- Me sentar por quê?, eu perguntei, sem entender o que acontecia.
- Vem, senta, porque senão vão me chamar de sem educação.
- Mas eu não quero me sentar, obrigada.
- Você vai descer na próxima estação?
- Não, vou descer em Guainazes mesmo.
Sem entender do que se tratava, a situação começou a me incomodar, especialmente por aquele diálogo sem pé nem cabeça.
- Então vem e senta aqui. É melhor para você.
- Melhor para mim?
- É você não está grávida? - me perguntou a moça, insistente, já emendada por sua companheira: -De quanto tempo você está grávida?
Minha cara foi de puro choque. Acho que este é o maior pesadelo de uma mulher. E eu estava vivenciando aquela situação. Ao vivo e a cores.
- Mas eu não estou grávida. Posso até estar um pouco acima do peso, mas definitivamente não estou grávida.
A dupla ficou sem graça e pediu muitas desculpas. Talvez se eu procurasse por câmeras escondidas, descobriria que estava no meio de uma pegadinha. Não estava.
Quando cheguei em casa, contei a história para a minha mãe.
- Se eu tinha alguma dúvida de que preciso emagrecer, depois dessa eu tenho certeza!
- Mas você não está gorda. Nem com barriga você está. É essa sua mania de usar estas roupas largas e desleixadas, mais esta bolsa enorme, só pode dar nisso.
Tentei me consolar com o que minha mãe disse. Realmente, a bolsa que eu levava era enorme e cobria a frente do meu corpo. Talvez a moça que insistia que eu sentasse em seu lugar - que por um acaso era bem gordinha - tenha imaginado que eu estava protegendo a barriga com a bolsa, quando na verdade eu estava protegendo a bolsa com a barriga.
Enfim, não sei o que se passou naquele dia. O que eu sei é que, realmente, eu estou perfeitamente dentro da variação de peso permitida para o meu 1.70 de altura. Mas, só por precaução, já emagreci dois quilos desde então. E ainda vou emagrecer mais... Nada como um bom estímulo.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Consciência pesada

Estação Luz da CPTM, começo da tarde de sexta-feira. Mesmo não sendo um horário de pico, as plataformas estão absolutamente lotadas. Afinal, em São Paulo não existe mais horário de pico, mas situação de pico. Não vai demorar muito para essa cidade parar de vez, eu penso.
Na guerra para conseguir um lugar para me sentar no trem - eu estou no meio, afinal minha mochila deve pesar uns dez quilos - as pessoas se atropelam, sem dó nem piedade.
O único lugar disponível é um assento reservado. Não gosto de sentar em assentos reservados, afinal, eles estão reservados. Olho em volta para ver se há alguém que precise daquele assento mais do que eu. Não encontro ninguém. Meu instinto fala mais alto e decido me sentar, com o compromisso de me levantar caso chegue alguém que precise do assento.
Ninguém precisou.
Ainda assim, eu fiquei com a consciência pesada. Por mais que eu estivesse cansada e com uma mochila pesada, eu não tinha direito de me sentar ali.
Podia ser mais uma oportunidade de falar mal do sistema público de transporte, que está sendo lotado e que trata as pessoas como gado. Mas isso, todo mundo já sabe. Menos quem deveria saber. Até porque, quem toma as decisões sobre o sistema público de transporte nunca utiliza o sistema público de transporte. E, quando usa, tem vagão reservado e aparece cercado por seguranças...

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Sobre a cena mais bizarra que eu já vivenciei num vagão de trem

Certa vez, estava eu na estação esperando o trem para ir a São Paulo. Logo que cheguei, avistei Danilo, o office boy da agência onde trabalhava, então pelo menos até Ferraz teria companhia. O trem chegou, nos acomodamos e a viagem começou.

Eis que, na próxima estação, sobe uma família no vagão. Pai, mãe, filho, namorada do filho. O pai estava de fogo. Danilo e eu nos entreolhamos. A viagem continua e eles começam a discutir sobre futebol. Pai, filho e namorada do filho são corinthianos, a mãe é palmeirense, ou seja: discussão certa, porém, aos berros.

Depois da mãe começar a chorar e de lembrar do quanto o marido a envergonhava, a discussão acaba. O pai abre uma sacola de supermercado e retira de lá uma garrafa pet cheia de água. "Água que o passarinho não bebe", observou Danilo, porque assim que a tampinha foi aberta, o cheiro de cachaça impregnou o vagão e o pai começou a bebericar. "Me dá isso aqui", ralha a mãe. A garrafa passa para a mão do filho, que dá uma bicadinha. Depois, para a namorada, que repete o gesto. Quando a mãe alcança o recipiente, vejo que ela levanta a garrafa em direção a boca, mas não a retira tão rapidamente quanto os demais. É preciso a namorada lembrar, "chega, dona Fulana", para a senhora fechar a garrafa e guardá-la. E dá-lhe mais discussão: o marido não a trata bem, ela só passa vergonha e como, como sofre.

Se aquietam. Não tendo mais no que prestar atenção, começo a mostrar para Danilo um projeto que teria que apresentar mais tarde, na aula. Ele faz perguntas, se interessa, gosta de design gráfico.

Mas, para quem acha que a história acaba por aí, sinto-lhes informar. Dessa vez quem se levanta é o filho, que pega uma sacola e grita: "EU NÃO SOU SEREIA, MAS ESTOU VENDENDO PEIXINHO DOURADO"! Retira um saco plástico cheio de água amarelada, sim, com peixinhos dourados dentro. Os coitados que ainda estavam nadando, estavam em água podre. Não havia nem uma plantinha para oxigenar. Os que boiavam, certamente já estavam no céu dos peixes.

Antes que eu conseguisse alcançar meu celular para enviar um sms-denúncia (sim, esse serviço funciona, já fiz uso dele algumas vezes), eles descem em Calmon Viana. Não consegui denunciar. Mas esse retrato do Brasil foi a cena mais surreal que já presenciei num vagão.

Ambulantes sobre trilhos

Ambulantes são pessoas que, literalmente, passam o dia sobre trilhos.
Para não dizer que nunca comprei nada, certa vez comprei o CD de um repentista. Ao vivo, ele era fantástico. Fez o vagão inteiro rir com seu raciocínio rápido e bom humor. Em estúdio, dava até dó. Ruim demais. Uma pena.
Quem entra no trem com objetivo de vender, precisa ser rápido. Rápido para vender, rápido para fugir dos seguranças, já que a venda de qualquer produto no trem é proibida. Tá bom.
Geralmente são os mesmos ambulantes que circulam pelas mesmas estações, nos mesmos horários. Mas ninguém sabe de nada...
Outro dia, entra o casal de ambulantes no vagão. O rapaz pede a atenção do povo e anuncia seu produto, quase sempre um chocolate do qual eu nunca ouvi falar - e, detalhe, eu sou chocólatra e já comi muita porcaria por aí. "É lançamento, só R$ 2,00 cada um". Ele é ignorado.
De repente, começa o teatro. Joga a mochila com a mercadoria debaixo de um banco e diz: "Vamo lá, pessoal, é pra acabar. É dois por dois real", grita. "Prefiro vender baratinho pra vocês do que perder tudo pro rapa". Segundo o rapaz, ele já havia sido pego duas vezes naquele dia...
A tática é velha, mas funciona. Com "dois a dois real", as pessoas começam a se interessar porque acreditam que estão fazendo um bom negócio. Eu não saberia dizer nem que sim, nem que não.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Duas cenas

Certa vez, no caminho de volta da pós, deparei-me com duas cenas no metrô que me chamaram a atenção, e foram mais ou menos assim:

Cena #1 - Estação Marechal Deodoro
Entra uma senhorinha negra, arcada, cansada... costura seu caminho por entre alguns jovens e conquista seu assento, com indicação preferencial. Fica de frente para mim e eu posso observar seus cabelos grisalhos com faixas brancas presos num coque. O olhar é cansado, ela encosta no banco. As mãos, assim como o rosto, são sulcadas pelo tempo. Ela fecha os olhos, como quem dorme em paz. O trem pára na Estação Anhangabaú, ela acorda e fica com o olhar baixo. Entra um homem, que se prostra à minha frente, segurando na barra acima do meu assento. Estico o pescoço para os lados, não posso mais vê-la porque entrou mais gente no vagão. Olho para o chão, e para minha surpresa, posso ver suas sapatilhas caramelo, amaciadas pelo tempo de uso, porque devem ser confortáveis para longas caminhadas. Até que a Estação Sé se aproxima, eu me levanto e me preparo para descer. Dou uma última olhada para ela e a deixo com Deus. Desço do metrô...

Cena #2 - Estação Sé
Desço as escadas rolantes sem pressa. Vejo que o metrô já chegou na plataforma e que dá tempo de entrar no vagão, então corro um pouquinho e o alcanço. Apoio-me numa barra lateral (ser baixinha é uma desgraça) e olho para o lado. Uma criança dorme no colo do avô, que a afaga distraidamente. Fico presa à cena até a Estação Luz, quando o avô acorda o neto, que não quer abrir os olhos. Então ele começa a fazer cócegas no menino, que com algum custo se levanta. Ele olha para o próprio reflexo na janela do vagão. O avô aponta para a imagem refletida do neto e diz: "olha só, um palhacinho!". As portas se abrem e avô e neto saem de mãos dadas. Uma mulher, que também observava a cena, comenta rindo: "se fosse a vó já tava carregando no colo!". Dou risada e ela desce na Estação Tiradentes. Continuo meu caminho sem nenhuma outra cena...

Duas cenas distintas. Nas duas, o amor presente.

domingo, 15 de agosto de 2010

A bruxinha Gigi

Era uma sexta-feira à tarde. A mãe tentava controlar a curiosidade da filha, que estava em pé sobre o banco do trem. Queria ver as pessoas que passavam do lado de fora. Agitação típica de quem ainda está descobrindo o mundo.
“Filha, deixa a moça sentar”, disse a mãe. A menina olhou para mim, sem interesse, e puxada pelo braço materno, sentou-se. Eu sorri e me sentei, feliz por ter encontrado um lugar no trem cheio. Coloquei o fone de ouvido para ouvir música e percebi que, com isso, me tornei foco de atenção da garota.
Poucas estações depois, lá estava ela, em pé sobre o banco novamente. Quase em cima de mim. A mãe, sem graça, ralhou com ela. “Filha, olha a moça. Você está atrapalhando ela”. Minha deixa para tirar o fone de ouvido e responder: “Não tem problema, não”. Olhei para a menina e perguntei: “Como é seu nome, mocinha?”
Não houve resposta, só um olhar do tipo “minha-mãe-falou-para-eu-não-conversar-com-gente-estranha”. A mãe, por sua vez, foi solidária a mim e sussurrou: “Giovana, você não vai falar o seu nome para a moça?!”. Nada. Só uma negativa tímida com a cabeça.
“Giovana é o seu nome? Que bonito, parece nome de princesa. Por um acaso você é uma princesa, Giovana?”. Outra negativa com a cabeça. Alguns segundos pensando e... “Não, eu sou uma bruxinha. Igualzinha a bruxinha Lili”. Sorri, um pouco sem entender, desatualizada dos novos clássicos infantis.
A mãe veio em meu auxílio: “A Giovana se encantou por um filme, A Bruxinha e o Dragão", por causa desta personagem, a bruxinha Lili. Porque, na verdade, a Lili não é uma bruxinha, mas sim uma fada”. Achei o máximo. Foi a primeira menina que conheci que preferia ser uma bruxinha com alma de fada a uma princesa.
“Aha... Então você é uma bruxinha? Que legal!”, eu disse nos últimos segundos de atenção que ela me deu, até se concentrar em um biscoito Passatempo que sua mãe oferecia. “Quer, moça?”, ofereceu a mãe, simpática. “Não, obrigada”.
A mãe de Giovana me contou que a filha acabara de fazer três anos. É uma leonina determinada, que apesar da pouca idade, já surpreende os pais com seu gênio forte transformado em respostas inesperadas. Como no seu aniversário, quando o pai insistia em filmá-la enquanto ela brincava. “Papai, não me filma porque agora eu quero brincar”.
Achei graça. A mãe desabafou: “Fomos para São Paulo para a Giovana ir ao médico, lá no Ibirapuera. Por conta de 15 minutos de atraso, o médico foi embora. Dia perdido”, lamentou.
Enquanto ela me contava isso, eu pensava com os meus botões na situação caótica do serviço de saúde no Brasil. Em como 15 minutos de atraso em São Paulo era pouco, se comparado com a dificuldade de uma mãe circular com uma criança de três anos pelo trem, metrô, ônibus, a pé... Que há médicos que consideram sua função como um outro trabalho qualquer, não um serviço essencial. Fiquei com raiva do médico que deixou a pequena Giovana na mão, torcendo para que ela usasse seus poderes de bruxinha-fada para puní-lo.
“Mas está tudo bem com ela?”, perguntei. “Tá, tem que estar, né?!”, me respondeu a mãe, desanimada. A estação delas chegou, Giovana já pulava no corredor do trem, com sua Passatempo meio mastigada na boca. “Vamos, filha. Chegamos. Você não vai dar tchau para a moça? Manda um beijo para ela”, dizia a mãe, enquanto se levantava.
Naquele ponto, eu já sabia que Giovana só fazia o que queria.
Giovana se aproximou de mim, me abraçou e me beijou. Um beijo cheio de farelos de Passatempo, é verdade. Mas foi o jeito dela de selar nossa amizade.

domingo, 8 de agosto de 2010

Blog Sobre trilhos

Toda vez que eu entro no trem ou no metrô, é inevitável: minha atenção se volta para alguém, uma conversa, uma situação... A primeira coisa que me ocorre nestes momentos é a riqueza de personagens e histórias que surgem quando estamos dispostos a reconhecê-los. Depois, sempre imagino que é um tremendo disperdício para uma jornalista deixar que estas histórias e personagens se percam no vácuo do cotidiano, quando poderiam ser imortalizados por palavras. Ainda que ninguém as leia...

Certa vez li uma entrevista com o cineasta espanhol Pedro Almodovár, onde ele explicava que muitos de seus personagens tiveram origem nas pessoas que ele observava e nas conversas que ele ouvia quando estava no ônibus. Em seguida, ele reclamou que, depois que se tornou famoso, não tinha mais tantas oportunidades de andar de ônibus e temia que isso prejudicasse sua criatividade.

 Nenhuma das histórias que serão contadas aqui neste blog é ficcional. Obviamente que elas serão escritas sob o meu ponto de vista e, ao contrário dos escritores de ficção que são capazes de adentrar nos pensamentos e memórias de seus personagens, não serei capaz de fazer nada disso. Ainda assim, contarei com as lições aprendidas no exercício do jornalismo para preencher algumas lacunas.

A realidade, afinal de contas, pode ser tão emocionante, divertida e interessante quanto qualquer ficção. Basta prestar atenção.