terça-feira, 17 de agosto de 2010

Sobre a cena mais bizarra que eu já vivenciei num vagão de trem

Certa vez, estava eu na estação esperando o trem para ir a São Paulo. Logo que cheguei, avistei Danilo, o office boy da agência onde trabalhava, então pelo menos até Ferraz teria companhia. O trem chegou, nos acomodamos e a viagem começou.

Eis que, na próxima estação, sobe uma família no vagão. Pai, mãe, filho, namorada do filho. O pai estava de fogo. Danilo e eu nos entreolhamos. A viagem continua e eles começam a discutir sobre futebol. Pai, filho e namorada do filho são corinthianos, a mãe é palmeirense, ou seja: discussão certa, porém, aos berros.

Depois da mãe começar a chorar e de lembrar do quanto o marido a envergonhava, a discussão acaba. O pai abre uma sacola de supermercado e retira de lá uma garrafa pet cheia de água. "Água que o passarinho não bebe", observou Danilo, porque assim que a tampinha foi aberta, o cheiro de cachaça impregnou o vagão e o pai começou a bebericar. "Me dá isso aqui", ralha a mãe. A garrafa passa para a mão do filho, que dá uma bicadinha. Depois, para a namorada, que repete o gesto. Quando a mãe alcança o recipiente, vejo que ela levanta a garrafa em direção a boca, mas não a retira tão rapidamente quanto os demais. É preciso a namorada lembrar, "chega, dona Fulana", para a senhora fechar a garrafa e guardá-la. E dá-lhe mais discussão: o marido não a trata bem, ela só passa vergonha e como, como sofre.

Se aquietam. Não tendo mais no que prestar atenção, começo a mostrar para Danilo um projeto que teria que apresentar mais tarde, na aula. Ele faz perguntas, se interessa, gosta de design gráfico.

Mas, para quem acha que a história acaba por aí, sinto-lhes informar. Dessa vez quem se levanta é o filho, que pega uma sacola e grita: "EU NÃO SOU SEREIA, MAS ESTOU VENDENDO PEIXINHO DOURADO"! Retira um saco plástico cheio de água amarelada, sim, com peixinhos dourados dentro. Os coitados que ainda estavam nadando, estavam em água podre. Não havia nem uma plantinha para oxigenar. Os que boiavam, certamente já estavam no céu dos peixes.

Antes que eu conseguisse alcançar meu celular para enviar um sms-denúncia (sim, esse serviço funciona, já fiz uso dele algumas vezes), eles descem em Calmon Viana. Não consegui denunciar. Mas esse retrato do Brasil foi a cena mais surreal que já presenciei num vagão.

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